sexta-feira, 8 de julho de 2016

"Hospice": Já ouviu falar?

Eu convivi pouco tempo com a minha sogra. Quando eu a conheci, ela estava naquele período que se chama "remissão" do cancêr. A remissão da doença não significa a cura; é um período de tempo em que a doença ou está respondendo ao tratamento ou está sob controle). Meu sogro, já aposentado, cuidava dela integralmente, mesmo quando a doença ainda não havia drenado por completo a vitalidade dela, como aconteceu no seu último ano de vida. 

Quando eu a conheci, ela ainda estava ativa, fazia algumas tarefas leves da casa, saía para fazer compras, ou passear. Em uma consulta de rotina, ela foi orientada pelo seu dentista, a procurar um médico, pois algo havia sido detectado por ele naquela consulta. 
Após um exame, foi constatado que o cancêr havia voltado, depois de cinco anos de intensos cuidados, sessões de quimioterapia, medicações e mais todo o esgotamento emocional que o doente e a família, normalmente, mergulham. 

Ok. Pára tudo. 

Eu resolvi começar esse texto contando uma experiência pessoal que me fez tomar conhecimento de um tipo de estabelecimento que existe aqui na Holanda e, até onde eu pude apurar, em outros países da Europa, Austrália e Estados Unidos também.

Hospices (pronúncia aproximada "róspiss”) são instituições onde são internadas pessoas que precisam de cuidados paliativos. Num hospice há pessoal  habilitado para o acompanhamento e supervisão de pessoas que estão seriamente doentes, passando por sofrimentos decorrentes de doença severa ou avançada, incurável e progressiva.

Nos hospices os quartos são individuais e aparelhados de acordo com a necessidade da pessoa que ali se hospeda. A hospedagem pode ser de até três meses. Havendo necessidade, pode-se prolongar mais três meses. Normalmente, não há muitos quartos nos hospices, como você pode estar imaginando. Quatro, cinco, seis quartos. Aqui na cidade onde eu moro, há um hospice, com cinco quartos.

Em abril de 2014 foi inaugurado na cidade de Leiden, depois de cinco anos de planejamento, um hospice para jovens, o Xenia Hospice (www.xeniahospice.nl). Nesse local são recebidas pessoas entre 16 e 40 anos. É o primeiro estabelecimento deste tipo na Holanda, voltado para o público mais jovem. 


É possível encontrar na internet reportagens e vídeos que mostram um pouco da atmosfera amigável e acolhedora que foi criada para receber essas pessoas, que decidiram junto de seus familiares e médico responsável - o paciente só é encaminhado para um hospice depois que o médico constata ser o caso - passarem seus últimos dias nessas unidades.



No caso deste estabelecimento, o Xenia Hospice, foi construído um ambiente onde familiares e amigos podem circular em espaços comuns, sentarem á mesa para fazer alguma refeição, tomar um café ou chá, conversar ou ver algum programa ou filme juntos. O estabelecimento se encontra no centro de Leiden, perto de cafés, supermercados, pubs. Aqueles que ainda não estão limitados devido a progressão da doença que os acometem, podem desfrutar de algum passeio, caminhada ou simplesmente sentar em algum banco ao longo dos belos canais da cidade e apreciar a vista.



O que mais me chamou a atenção nas reportagens á respeito desse novo estabelecimento foram os depoimentos de alguns "hóspedes": jovens, com talvez 16 ou 17 anos, falando de maneira resoluta o quanto era importante para eles aquele lugar, falando da maneira de como eles se sentiam "em casa", apesar deles estarem cientes do pouco tempo que lhes restava.  

Eu confesso que toda vez que eu leio algo a respeito dessas instituições, sinto uma espécie de inquietação e não raro, tristeza.

Ao mesmo tempo, tenho profunda admiração e respeito por essas pessoas que, no intuito de aliviar a tensão, angústias e tristezas que a sua iminente passagem para o infinito possa estar causando a si e em seus entes queridos, optam por passar seus últimos dias fora do seu ambiente familiar.

Me parece um profundo exercício de desprendimento, muito bem racionalizado. Eu tento me colocar na posição deles: seria eu capaz de optar por ficar longe do minha casa, do meu pessoal, dos meus objetos, dos meus "cheiros" e cores? Eu não sei. Seria eu muito egoísta, se eu decidisse ficar em casa, até o último momento? Para alguns, deve ser muito duro tomar uma decisão dessas, pois ir para um hospice, por mais que não se queira pensar nisso, significa o final de uma história. Você não sai de um hospice andando. Fato.

Eu lembro com nitidez a última semana da minha sogra no hospital. No quarto, junto com a família e o médico dela, foi declarado que o melhor para a situação dela seria  a remoção para um hospice, onde ela poderia ficar num ambiente menos tenso que o hospital mas com os mesmos cuidados. Em nenhum momento ela se mostrou contrária a decisão. Ela disse que entendia que a remoção dela seria para o bem da família e dela. Dentro de dois dias, ela já estaria instalada num quarto privativo, bem decorado, com uma vista bucólica para um jardim florido.

Mas, eu duvidei.

Algo me dizia que ela não queria ir para um lugar "desconhecido". Ela queria era ir pra casa dela. Seus objetos, sua gente, seus cheiros. Suas lembranças.

No manhã marcada para a remoção dela, ela iniciou o seu "desprendimento". A saúde dela colapsou de tal maneira que a remoção dela foi impossível. Guerreira como era, nunca cogitou a eutanásia (permitida no país) e embora o prognóstico sempre se mostrasse desfavorável para ela, jamais deixou de fazer planos onde ela estivesse incluída. 

Lá no meu íntimo, eu acredito que ela não quis ir para o hospice.

Talvez eu fizesse o mesmo.

“Se correr o bicho pega. Se ficar o bicho come.”

(Texto publicado no Jornal Forquilinhas, edição Junho 2016)

1 comentários:

  1. Olha ai que interessante, não sabia disso! Tem até para jovens. Fiquei com calafrio tbm, porque não é assim um lugar de fperias mas um lgar onde vc vai passar talvez o pouco tempo que lhe resta...

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